Sobre a arte e a vida.


Tive a ideia desse tema enquanto tomava banho.

Ele é um pouco complexo. Não sei se vou consegui passar a ideia, mas vou tentar.

Até que ponto se vale a separação da vida com a arte? Seria correto afirmar que separamos o profissional do pessoal quando nos tratamos de fazer teatro, ou de qualquer tipo de arte? Eu me refiro mais ao teatro por ser a arte do aqui e do agora...

Lembrei que tem um poema de Brecht que vai me ajudar, e nada melhor que esse cara pra ajudar num momento como esse.

É um poema mais ou menos assim:

Vocês, artistas, que fazem teatro
Em grandes casas, sob sóis artificiais
Diante da multidão calada, procurem de vez em quando
O teatro que é encenado na rua.
Cotidiano, vário e anônimo, mas
Tão vívido, terreno, nutrido da convivência
Dos homens, o teatro que se passa na rua.
(...) Como é útil
Esse teatro, como é sério e divertido
E digno!
(...) Que vocês, grandes artistas
Imitadores magistrais, não fiquem nisso
Abaixo deles. Não se distanciem
Por mais que aperfeiçoem sua arte
Daquele teatro cotidiano
Cujo cenário é a rua.
(...)
A misteriosa transformação
Que supostamente se dá em seus teatros
Entre camarim e palco: um ator
Deixa o camarim, um rei
Pisa no palco, aquela mágica
Da qual com freqüência vi a gente dos palcos rir
Copos de cerveja na mão, não ocorre aqui.
Nosso demonstrador da esquina
Não é um sonâmbulo, a quem não se pode tocar. Não é
Um Alto sacerdote no ofício divino. A qualquer instante
Podem interrompê-lo; ele lhes responderá
Com toda calma e prosseguirá
Depois que lhes tiverem falado
Com sua apresentação.

Mas não digam vocês: o homem
Não é um artista. Erguendo tal divisória
Entre vocês e o mundo, apenas se lançam
Fora do mundo. Negassem ser ele 
Um artista, poderia ele negar
Que fossem homens, e isto
Seria uma censura maior. Digam antes:
Ele é um artista, porque é um homem. Podemos
Fazer mais perfeitamente o que ele faz, e ser
Por isso festejados, mas o que fazemos
É algo universal, humano, a cada hora praticado
No burburinho das ruas, para o homem tão bom
Quanto respirar e comer.

Assim o seu teatro
Leva de volta às questões práticas. Nossas máscaras, digam
Nada são de especial, enquanto forem somente máscaras(...)
(...)
Máscara, verso e citação tornam-se comuns, mas incomuns
A máscara vista com grandeza, o verso falado bonito
E a citação apropriada.

Mas para que nos entendamos: mesmo se aperfeiçoassem
O que faz o homem da esquina, vocês fariam menos
Do que ele, se o seu teatro fizessem
Menos rico de sentido, de menor ressonância
Na vida do espectador, porque pobre de motivos e
Menos útil.
BERTOLT BRECHT
(tradução de Paulo César de Souza)


Colocar esse poema já no começo desse texto é como dar um tiro no pé, pois a resposta para a questão que me propus com esse tema já está claramente respondida, mas vou tentar dar uma explanada no meu pensamento.

Não se distanciem deles, do teatro encenado na rua. E não seria esse o teatro DE rua a quem Brecht se refere, mas ao ser humano por detrás de cada historia vivida em cada canto, NUTRIDO DA CONVIVÊNCIA!!!! Que não fiquemos abaixo de sermos humanos para nos tornamos simples artistas, pois sim... estamos abaixo dos humanos quando nos denominamos automaticamente e puramente atores, que não pensam, mas reproduzem somente. Que não acredita no verdadeiro ofício da arte. No embasamento da missão que a arte tem no PLANETA TERRA desde o surgimento dos primeiros sintomas teatrais. Por mais que aperfeiçoem sua arte, não deixem de ser humanos.

Artistas-humanos.

Não se escondam atrás de mascaras criadas para viver socialmente. Viva o teatro encenado na rua!

Pode-se qualquer um pisar num palco. Pode-se qualquer um deixar um camarim... mas somente o verdadeiro ator viver  a arte. A que Brecht julga como verdadeira arte. O verdadeiro artista está entre as pessoas, COM as pessoas.

Ele não se distingue, não se separa. É vivo.

PODE-SE TOCAR!

Não se coloca em pedestais ou em tronos. Não se julga mais inteligente, ou rejeita ajuda. Ele sabe que precisa viver com o povo e para o povo. O ator está para o povo como o sonoro canto está para os pássaros. É próprio.

O-r-g-â-n-i-c-o.

Quando o ator se separa do público, ele não vive mais nesse mundo. Se fecha em sua bolha e não oferece mais nada além de sua imagem. E uma imagem se constrói em instantes. Um pensamento precisa de tempo pra reverberar...

Por que, Deus,  cismamos em dizer que a arte se separa da vida?

To sofrendo...

Aprendemos tanto que a arte é a representação da vida, então porque achamos que nos separamos profissionalmente da arte? Se negarmos a um ser-humano que ele seja artista, poderia ele negar que fôssemos HUMANOS.

Pronto.

Pra mim acaba a dúvida aí.

Ele ainda fala: podemos ser melhores no que fazemos e por isso recebemos aplausos... mas dá uma segurada aí... Isso que fazemos é só viver... e viver todo mundo vive... nada de excepcional... te manca e baixa o ego...

Vocês entendem esse Brecht como eu??? Fico abismado!

E ainda conclui:
MESMO QUE NOS APERFEIÇOÁSSEMOS AINDA SERÍAMOS MENOS QUE HOMEM DA ESQUINA!!!!!!

Fiquei de cara no chão.

Pensando... largado na sarjeta que me deixou Brecht.

Por que acho eu que a arte se separa da vida?

Por que acho eu que não levo NADA dos meus acontecimentos, das minhas relações e das minhas 
experiências para a cena?

Por que, diabos, acho eu que consigo a todo instante ser o ator que acho ser enquanto penso estar fazendo teatro?

Então meus queridos offer’s (esse termo é horroroso eu sei) eu só consigo pensar numa conclusão pra isso tudo.

O ser-humano que você é se faz presente no palco que você pisa.

E você? Acha o quê?

Fábio Teixeira. – Memórias de um banho. Perna quebrada. Vl. Maria, Zona Norte. São Paulo.

04/06/2018

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Bom dia Offer's... (um termo novo, ok? Então ok.)

O blog está passando por mudanças então pode ocorrer de causar certos estranhamentos na forma de escrita e no direcionamento das postagens que seguirão a partir daqui.

Hoje viemos falar um pouco sobre como vivemos em coletivo.

Tem esse projeto do Vai II que ganhamos (UHUUULLLLLLL CARALHOOOO)
E tem essas pessoas do coletivo. Que nem sempre fazem tudo que é preciso pra ganhar um projeto, e que quando ganha nem sempre sabe o que é preciso fazer pra manter um projeto.
Na verdade é só uma delas que é assim... E achamos que tudo bem. Porque ela é doente. Uma hora isso se acerta. Porque dialogamos.

Tem esses diálogos. Eles precisam acontecer. Porque nos amamos muito e queremos estar juntos, por mais que as vezes a gente ache que não, a gente quer muito estar juntos.

E tem isso de a gente achar que sempre estamos certos.
Porque é normal querer fazer as coisas do jeito que a gente acha que tem que ser as coisas.

Mas tem esses diálogos. E esses diálogos são maravilhosos... e as vezes eles acontecem só no olhar.
E tem as pessoas que vem pra ajudar a gente... que mostra que a gente ta no caminho certo, mesmo que esse caminho não seja o mais rápido e o mais prático. É o NOSSO caminho. Isso é muito importante lembrar... cada coletivo tem o seu próprio caminho.

O Off Off Broadway Coletivo de Teatro tem 16 ano de caminho em sua história... e a gente já virou em tanta esquina, tantas ruas e avenidas, em tantas casas já entramos e tantas visitas já recebemos... estamos felizes. As vezes ficamos encafifados com nossos passos... mas estamos felizes.

Aí teve os despejos... já fomos muito despejados também. Da biblioteca, do CEU, do prédio abandonado, da praça... Hoje somos um grupo sem lar.
Queremos uma sede? Queremos uma sede.
Mas ta bom viver marginalizado a beira do caminho que criamos?
Ta maravilhoso.
Por que ta maravilhoso?
Porque também ocupamos.

A FUNARTE o Casarão...


E tiveram muitas pessoas... Éramos muitos. Ainda somos. Não despejamos ninguém. Talvez uma única pessoa... e ainda não entendemos o porque. Mas ela foi despejada. Isso acontece. Num coletivo tudo acontece. As pessoas costumam dizer que a área de humanas é melhor que a de exatas... mas ao dizerem isso estão se esquecendo que dois mais dois nunca deixarão de ser quatro. 

Teve as percas também... significativas... pedaços de nossos corações que foram pra sempre.

Mortes.

Maior despejo esse, preparado pela vida, da vida, para um espaço além de nossa compreensão... mas possuímos nossas crenças.

Ah! Temos crenças! Cada um tem uma! Ou todo mundo tem todas. Não sabemos muito bem como funciona isso. Mas sabemos pra onde estamos indo.




Não sabíamos onde tudo isso ia dar quando nos reuníamos de segundas e quintas na Biblioteca Pública Pablo Neruda (hoje se chama Biblioteca Pública Álvares de Azevedo, porque... não sabemos o porque), e não tínhamos pretensão de formalizar nenhum trabalho da forma que pensamos fazer isso hoje. Mas já naquela época nos cobrávamos de presença. Não somente a física, mas uma presença viva.

O tempo passou tão depressa que mal pudemos perceber em que momento as pessoas que amávamos deixaram de brincar conosco e saíram pra empreitada que acreditam ser a vida adulta. Como escreve Luigi Pirandello: Sobraram os últimos restos... Os últimos restos não. Os fundamentos.

E hoje o Grupo de Teatro Vocacional Off Off Broadway, vulgo Off Off Broadway Coletivo de Teatro, está enfrentado uma grande jornada.

Vem aí um repeteco de nosso espetáculo anterior... mas também vem uma pesquisa sobre um novo espetáculo. Tem Off Off, também, no Circuito SP. Não nos pergunte o que isso quer dizer... a gente ta feliz!

E tem mais da gente juntos esse ano. Trabalhando juntos. Pesquisando juntos. Atuando juntos.

E vendo o Marcão de maiô em praça pública. A parte que julgamos impagável!

Portanto, para que os senhores possam aproveitar essas incríveis amostras do que pensamos, pedimos encarecidamente que abram seus corações e mentes.

E nos achem pela cidade!